Guardas de Congo
Publicado em 30/10/2017 08:35 - Atualizado em 30/10/2017 11:00
Guardas de Congo Nossa Senhora do Rosário!
A forma de expressão Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário, bem cultural imaterial, por seu valor histórico, religioso e cultural foi registrado no Livro das Formas de Expressão, n° 01, pg52 de 30/12/2012 após a conclusão da instauração do processo de Registro das Guardas de Congo Nossa Senhora do Rosário de Nova Era, do qual o Departamento Municipal de Cultura e Turismo e Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Nova Era ( COMPHANE) e a comunidade se mostraram favoráveis ao registro. Estando portanto sujeito à proteção especial de acordo com Lei n°1528/2001 e Lei n°1883/2012.
Em Nova Era, possuímos duas guardas de congo: Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário ( Bairro Estação) e Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário ( Bairro Vila Santa Rosa). Cada guarda reforçando o ideal de “guardas irmãs”, apresenta elementos semelhantes pela adoção do nome “ Nossa Senhora do Rosário”, a definição oficial e popular, pela estrutura do reinado, marcado pela fila dupla, pelo estandarte com a pintura da Virgem do Rosário. Diferem-se quanto à adoção de cores das indumentárias, à promoção ou não das encenações tradicionais,à presença ou ausência de importantes elementos de comandos típicos do Reinado do Congo.
As atividades próprias do Congado no município de Nova Era são aprendidas deste criança, passadas de geração em geração no seio das famílias em que pesa a tradição congadeira, bem como, por imitação, vendo e ouvindo os congadeiros dançar e cantar.
Os dois ternos desta cidade apresentam em suas fileiras crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos, que, em conjunto permanecem fiéis a esta tradição herdada dos antepassados negros, permitindo a sua continuidade, ainda que associados a diversos elementos da contemporaneidade.
Irmandades ou confrarias
As primeiras irmandades de Nossa Senhora do Rosário de que temos notícia surgiram na Alemanha, a partir do ano de 1409, e serviram de modelo para inúmeras outras que surgiram em diversos países da Europa. Através da ação missionária, em 1526, surge a primeira irmandade de Nossa Senhora do Rosário no continente africano.
Há registro da presença de Confrarias de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos em Portugal desde 1520, com reinados e danças. No Brasil, em 1552, surge em Pernambuco uma irmandade do Rosário de escravos oriundos de Guiné, a partir daí se expandiram por todo o país.
Através da ação missionária no continente africano muitos negros já conheciam Nossa Senhora do Rosário, elegendo-a como padroeira. Outros a conheceram quando passaram por, Portugal, chegando ao Brasil com esse referencial. Houve uma pronta identificação entre o Rosário de Nossa Senhora e o rosário africano usado nas consultas ao Orixá Ifá.
A Coroa Portuguesa oferecia o modelo dos estatutos para a criação das irmandades e era ela mesma que dava a aprovação final para a sua existência e funcionamento. Espertamente, a Coroa apropriou-se de elementos da cultura tribal dos africanos introduzindo-os nos estatutos das corporações, como nessa passagem: “Haverá nesta Irmandade um Rei e uma Rainha, ambos pretos, de qualquer nação que sejam, os quais serão eleitos todos os anos em sua mesa a mais votos, e serão obrigados a assistir com o seu Estado às festividades e mais santos, acompanhando no último dia a procissão do Pálio”.
Com a coroação de reis e rainhas, sob a denominação de reis congos, impulsionavam a cultura religiosa colonial aquietando e disciplinando a escravaria.
A devoção dos escravos africanos e de seus descendentes não ficou restrita a Nossa Senhora do Rosário, devotavam também, entre outros, São Benedito e Santa Efigênia.
A veterana Irmandade do Rosário de Ouro Preto, segundo o historiador Augusto de Lima Júnior,data de 1711.Em 1720, já tinha ermida no local onde, hoje, se encontra a bela igreja dessa devoção.
Como tática, a coroa portuguesa tratou de estimular a organização de irmandades a fim de, com elas e através delas, transferir ao próprio povo encargos diversos, dispendiosos, como a construção e manutenção de templos e cemitérios.
A população, por sua vez, encontrava nessas irmandades uma estrutura eficiente e legal, uma forma orgânica para expandir suas necessidades ou reinvidicações coletivas, funcionando como autênticos organismos sociais.
Silva, Elvécio Eustáquio _ Contribuição para o Estudo do Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Nova Era- Cartilha –Agenda 21 Local Nova Era- Nova Era 2005
Breve Cronologia da Devoção a Nossa Senhora do Rosário
As primeiras irmandades de Nossa Senhora do Rosário de que temos notícia foram fundadas na Alemanha em 1409, na cidade de Dusseldorf com nome de Irmandade das Alegrias de Nossa Senhora e em 1474 na cidade de Colônia; esta irmandade é que serviu de modelo para inúmeras outras que logo se estenderam por diversos países da Europa.
O primeiro registro em Portugal data de 1478, denominado-se Irmandade dos Brancos de Portugal, em Lisboa. Em 1496, também em Lisboa, foi fundada a primeira irmandade do Rosário de escravos, quatro anos antes do descobrimento do Brasil.
A partir de 1415 os portugueses iniciaram suas conquistas no território africano. Assim, devido à ação missionária, em 1526 surge a primeira irmandade de Nossa Senhora do Rosário nesse continente, na ilha de São Tomé.
No Brasil recém descoberto, em 1552, surge em Pernambuco uma irmandade do Rosário de escravos de Guiné. O historiador Frei Odulfo Vander Vat registra sem pormenores a existência de uma confraria do Rosário para “muitos escravos de Guiné” na Capitania de Pernambuco.
A partir de 1586, os jesuítas fundaram várias irmandades do Rosário entre os escravos dos engenhos. E daí sucessivamente esta irmandade se expandiu por toda a colônia. Citam-se, entre outros exemplos, no Rio de Janeiro em 1639; Belém, 1682 e Bahia, 1686. Na capitania de Minas Gerais foi a partir de 1708 em São João Del Rey, 1713 em Cachoeira do Campo e em Sabará, e em 1715 em Ouro Preto, entre outros.
O antropólogo Luiz da Câmara Cascudo em suas pesquisas descobriu registro de uma Coroação dos Reis de Congo acontecida em 1674 em Recife. Existem também registros de coroação em Portugal datados de 1650, Confrarias de Nossa Senhora dos Pretos, com reinado e danças.
Origem da Manifestação
Em tese, não resta dúvida de que as ações primeiras da junção da confraria ou irmandade de Nossa Senhora do Rosário às marcas identitários da cultura africana se deram através da colonização portuguesa em territórios do continente africano a partir do século XV, em conseqüência das ações missionárias e do tráfico de africanos para serem escravizados. Destas intervenções resultaram instituições consorciadas de sincretismo, travestidas, oficialmente com a chancela de “Reinados”, no Brasil, com as suas diferentes “Guardas”, que entre outras: moçambique, marujos e congo é um indicativo identitário, possivelmente originários de diferentes etnias. E consequentemente, neste mesmo século foram transplantados para Portugal, se consolidando em uma síntese político cultural, apropriada pela coroa portuguesa como instrumento de controle dos povos escravizados. No fluxo e refluxo das grandes viagens marítimas e conquistas estas confrarias foram se disseminado pelas terras colonizadas, a exemplo, a introdução dos mesmo no Brasil se deu a partir do século XVI. Para tanto a sua criação dependia da aprovação da Coroa Portuguesa que oferecia um modelo de “compromisso”, específico aos irmão do rosário que seria adequado à realidade de cada localidade. Tratava-se de um conjunto de determinações esclarecedoras de direitos e deveres da corporação, normas administrativas, jurídicas, religiosas, mesclados de referências culturais as quais diferenciava e diferencia a irmandade do rosário de muitos outros como o capitulo que transcrevo: “Haverá nesta Irmandade um Rei e uma Rainha, ambos pretos, de qualquer nação que sejam, os quais serão eleitos todos os anos em sua mesa a mais votos, e serão obrigados a assistir com o seu Estado às festividades e mais santos, acompanhando no último dia a procissão do Pálio”.
As festas a que se refere o citado capítulo eram, além da do Rosário, as dos Santos Benedito, Estevão, Antônio e Catalagerona, Efigênia e do Natal. Percebe-se claramente neste capítulo um atrativo peculiar: fragmentos das culturas africanas e tribal. Era muito comum entre os colonizadores usar da cultura de outra raça para dominá-la. Coroavam reis e rainhas que, sob a denominação de reis congos, impulsionaram a cultura religiosa da história colonial, muitas vezes tida como cultura profana quando percebida pelo olhar do sistema dominante, pois os integrantes eram investidos de conotação sagrada e de propriedade ritual.
Silva, Elvécio Eustáquio – O Culto a Nossa Senhora do Rosário em Minas Gerais. X Assembléia Regional de Congadeiros 15/12/2002. Santa Bárbara, MG
De onde surgui / Quando surgiu
Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, no fim do século XVII, um grande contingente de escravos africanos foi chegando, e a irmandade de Nossa Senhora do Rosário encontrou no território do ouro solo fértil para seu florescimento, sobressaindo-se dentre outras devoções.
Devido ao grande contingente de escravos africanos que foi chegando ao território do ouro, a irmandade de Nossa Senhora do Rosário encontrou aqui um dos locais mais propícios para sua maior abrangência em toda colônia. Foi no início da civilização mineradora, nas vilas, que esta irmandade se desenvolveu com maior relevo histórico, chegando ao arraial de São José da Lagoa. E também sob o patrocínio desta evocação foram criadas várias paróquias.
Já em 03 de setembro de 1754 o minerador Domingos Francisco Cruz, através de escritura pública lavrada no cartório do arraial de Nossa Senhora da Conceição de Catas Altas, fez ao “Glorioso Patriarca São José” a doação de uma roça para patrimônio de sua nova capela. Na escritura e petição refere-se à capela como existente e nela se celebra o Santo Sacrifício da Missa em altar portátil e como esteja acabada necessitava de ser benzida. (Arquivo da Diocese de Itabira).
A descrição do documento consultado não deixa dúvida da existência de uma capela anterior e afirma que a nova capela foi edificada antes da data que foi passada a escritura de doação de patrimônio, isto é, antes de 1754.
Foi uma irmandade rica e prestou grandes serviços não só de caráter consolador aos africanos e afrodescendentes, mas de assistência e proteção inclusive dar sepultura aos irmãos falecidos, o que era obrigação estatutária de todos as irmandades similares.
Arraial São José da Lagoa
Por volta de 1700, entre outros, portugueses e paulistas, entre estes padres mineradores, somando-se um grande plantel de mão de obra escrava a serviço da mineração aurífera, resultando vultuosos serviços, consequentemente estabelecendo um aldeamento nesta paragem do Rio Piracicaba. E neste primórdio o núcleo recém formado passa a denominar-se São José da Lagoa. A Igreja Católica aqui se fixou dinamizando devoções e São José tornou-se padroeiro do lugar e os escravos se organizaram em torno da devoção a Nossa Senhora do Rosário.
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Nova Era.
Os irmãos do rosário aqui certamente se organizaram em torno de uma confraria, recorrendo aos trâmites legais obtiveram no interior da Capela de São José da Lagoa, espaço no qual mandaram construir um retábulo para abrigar as suas devoções.
“Trata-se do retábulo colateral do lado direito ( do evangelho), ocupado pela Virgem do Rosário em seu trono, como titular , e ladeada por São Benedito e Santa Efigênia. É uma evidência de que o culto a Nossa Senhora do Rosário foi introduzida aqui nos primórdios de São José da Lagoa (século XVIII). Era comum as irmandades que não tinham suas próprias capelas construírem seus retábulos em capelas existentes, com direito a sacrário e à realização de suas celebrações litúrgicas”. Silva, Elvécio Eustáquio _ Contribuição para o Estudo do Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Nova Era- Cartilha –Agenda 21 Local Nova Era- Nova Era 2005.
Retábulo entalhado em cedro e dourado, de lavra expressiva e refinada, analiticamente ele nos remete ao contexto de estilo Dom João V, corresponde à 2ª fase do barroco em Minas Gerais onde foi introduzido por volta de 1720/1730, prevalecendo até cerca de 1760. Referencia material e devocional que subsidia a tese da existência da referida confraria em São José da Lagoa desde primórdios do século XVIII.
Para maior credibilidade da constatação exposta, soma-se e ela a mais antiga menção escrita encontrada até o momento: um registro de óbito da Paróquia de São José da Lagoa. Encontra-se no livro n°1, página 2: “Aos 16 de junho de 1849, sepultou dentro desta Matriz à Maria Eulália, filha de José Vicente da Silva, foi sepultada em Huma sepultura do Rosário que a Rosa, escrava de José Francisco que a hi tinha, por ter sido Rainha de Nossa Senhora do Rosário, de idade de 40 anos”.
O local da referida sepultura, certamente, deve ser em frente do retábulo da Irmandade. Apesar da falta de detalhes, Maria Eulália deveria ter algum vínculo com a Irmandade e, com certeza, era negra. Silva, Elvécio Eustáquio _ Contribuição para o Estudo do Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Nova Era- Cartilha –Agenda 21 Local Nova Era- Nova Era 2005.
O registro de óbito transcrito acima, datado de 1849, ao referir- se a uma “sepultura do Rosário, que a, escrava de José Francisco que a hi tinha, por ter sido Rainha de Nossa Senhora do Rosário”, nos permite projetar uma ascendência mínima de 20 anos na cronologia referencial da existência do reinado.
Evolução Histórico Cultural
Raros relatos orais sobre a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário em São José da Lagoa no século XIX, chegaram até o presente. A exemplo do suposto centenário desta instituição que foi comemorado festivamente em 1986, se baseou em uma referência da tradição oral herdada pela Rainha Conga de então. D.Maria Francisca dos Santos, que relatava que a festa em 1886 foi dirigida pelos primeiros Reis Congos: Manassys Berclys e D. Elyazar Mamjudys, portanto pela clareza informativa existente em documentos já apresentados, esta afirmação não se procede, um óbito datado de 1849, e uma relação de renda proveniente de reinados, lançados no livro de receita e despesas, abrangendo o ano de 1874 a 1883 e ainda registrando o nome de uma Rainha “D. Regina L.” na década de 1874.
A principal documentação escrita que se conhece que atesta a existência na Freguesia de São José da Lagoa da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, são três livros datados de 24 de abril de 1873, a saber: “Livro de Receita e Despesas do qual só utilizaram dez folhas, sendo o último registro ocorrido em 1893; Livro de Tombo e Inventários de Bens, sendo utilizado apenas a folha nº 01 v. , em 30 de agosto de 1874, Livro para lançamento de recibos, utilizado até a folha 03 datado de 1903. Documentos oficiais dentro de todos os trâmites legais, religiosos e jurídicos, de acordo com as exigências da época _ termo de abertura lavrados na cidade de Itabira-MG ( o arraial São José da Lagoa neste período encontrava-se a ela subordinada), pelo Juiz de Direito Dr. José Antônio Sampaio, e páginas devidamente rubricadas e também o visto do provedor de capelas, Dr. Francisco Pereira Pires Duarte”. Os demais documentos provenientes do século XIX, uma subscrição com 288 adesões, feita pelo Sr. Capitão Pio Guerra, para recolher esmolas, destinada a custear melhoramentos na Capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário, edificada pela irmandade; um documento que se refere a aquisição do terreno onde foi edificada a referida capela.
“ Este terreno pertencia a Sr. Pio Martins Guerra ( Tesoureiro e zelador da Irmandade) que o vendeu à Irmandade, que, não obtendo os recursos para efetuar o devido pagamento, trocou por um outro localizado na Ladeira de São José, de propriedade da mesma irmandade.
Trata-se de uma solicitação ao governo provisório da república, que concedeu a efetivação da permuta. Resolução despachada no Rio de Janeiro( tardiamente) em 17 de dezembro de 1890, quando a capela já se encontrava edificada e coberta de telha”. Silva, Elvécio Eustáquio _ Introdução ao estudo do Congado de Nova Era. Jornal Vaga Lume ano III, nº02-Nova Era, outubro de 1986.
Finalizando, cópia de uma Ata referente à tomada de contas, datada de 18 de dezembro de 1893, assinada pelo Padre Júlio Engrácio, delegado Diocesano.
Antiga Capela Nossa Senhora do Rosário
A capela Nossa Senhora do Rosário foi edificada pelos Irmãos do Rosário na antiga Rua do Comércio (hoje Rua Governador Valadares), no Centro do Arraial São José da Lagoa. Por motivos obscuros ela não chegou a ser benzida, mas manteve a sua imponência na paisagem e foi documentada em uma fotografia de 1920.
Não encontramos registro sobre o início da sua construção mas a limitada documentação disponível possibilita projetar que a irmandade no segundo quartel do século XIX se encontrava reorganizada e em pleno vigor e prestígio, levando a frente um audacioso e provocador projeto, construir no centro do Arraial de São José da Lagoa uma imponente capela. Com duas torres, território da elite de uma sociedade escravocrata.
Vigor e prestígio que permanece no início do século XX.
Preservou-se também um documento avulso de 1911que registra duas reuniões acontecidas na Capela do Rosário, com a presença do Vigário da Paróquia de São José da Lagoa, Padre Antônio Augusto de Barros, para proceder as chamadas dos “procuradores de esmola”, refere-se a segunda chamada realizada a 27 de agosto e terceira a 08 de outubro, com a relação dos acertos devidamente registrados.
A Irmandade dos Irmãos do Rosário não funcionava só como uma ordem mas como uma comunidade que impulsionava os seus membros no contexto social. A Lei Áurea a 13 de maio de 1888, não foi revestida de uma rede social de política pública, portanto certamente abalou a estrutura social dos escravos e negros livres que se encontravam organizados.
Como isso não bastasse veio a Proclamação da República, consequentemente o estado tornou-se laico, separando-se da Igreja e assim as agremiações religiosas perderam a tutela do estado e as que congregavam negros, com as devidas exceções foram vítimas de padres preconceituosos e racistas.
Com a devida resistência a Irmandade do Rosário do Arraial de São José da Lagoa chega aos primeiros decênios do século XX ainda fortalecida. Desta organização grandes líderes afrodescendentes se projetaram tornando-se figuras antológicas em nosso meio: entre outros, Clementino da Costa, Saul Onorato, Longuninho de Castro Pereira, Pedro Narciso, Valentim Francisco Pereira, conhecido como mestre Mestre Valente, Abraão Feliciano, Sebastião Idelfonso Quintino . Apesar da falta de registro, pela tradição oral sabemos da grande atuação destes líderes e de seus familiares na permanência da celebração do Reinado de Nossa Senhora do Rosário em nosso meio, alguns até a década de 50 do século XX, algumas familias remanescentes ainda permanecem.
Demolição da Capela
O Vigário José Augusto Lopes, da Paróquia de São José da Lagoa, a favor de interesses obscuros, respaldados por cidadãos do distrito, no dia 15 de abril de 1925, enviou correspondência a cúria de Mariana pedindo licença para demolir a Capela do Rosário e edifica-la em outro local. Igualmente pedia a aprovação da comissão que deve tratar do assunto cuja relação se encontrava anexada. A justificativa da pretendida demolição exposta foi totalmente espúria, que a capela nunca tinha sido benzida, mas porque não foi benzida?
Competia a quem benzê-la ?
Argumentaram também que a Capela se encontrava construída em lugar impróprio e a Matriz de São José não se encontrava construída em local impróprio, distante dos fiéis, isolada no alto de uma colina?
Em cópia existente do referido despacho, o arcebispo justifica que a sua decisão foi ao encontro do desejo da população: “a população da sede requereu para isso a necessária licença nossa”, e no mesmo documento ele registra : “já adjudicamos o patrimônio e mais bens móveis da antiga igreja”. Fica patente neste sentido que houve um abaixo assinado da “sociedade local”, solicitando a demolição da capela. Cabe questionamento, quando se refere a mais bens móveis, se alegaram que a capela não se encontrava concluída, que bens móveis seriam estes? Justificou-se também que a capela não se encontrava concluída totalmente, se de fato não estava, seria até normal em se tratando de construção de uma capela, mas relatos e depoimentos e uma fotografia existente, datada de 1920, sugere que a mesma se encontrava plenamente sólida. A não ser que a partir da referida data tenha acontecido aqui algum fenômeno que tenha desestabilizado estruturalmente esta construção.
Causa estranhamento a agilidade que decorreu todos os trâmites legais relacionados ao tema exposto, a exemplo: uma correspondência de 15 de abril de 1925, já devidamente despachada favoravelmente as solicitações por D. Helvécio Gomes de Oliveira, Arcebispo de Mariana em 10 de maio do mesmo ano , porém os documentos consultados não mencionam a data exata da demolição. É pela oralidade preservada que se sabe que foi posterior a essa data. Sabe-se também que todo seu material foi aproveitado na construção do novo templo. Os tijolos foram transportados passando de mão por uma extensa fila de pessoas entre as duas construções. Todos os seus bens foram apropriados, decretando assim o fim da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
A construção da igreja do bairro Centenário foi iniciada em junho de l925 e inaugurada em 23 de março de 1941. A partir de então, para lá foram transferidas todas as festividades de Nossa Senhora do Rosário.
Texto: Elvécio E. da Silva retirado do Jornal
“O Paroquiano” - Junho de 2007
Curiosidade: Para conseguir numerário para as despesas da construção da nova igreja, foi vendido um lindo cordão de ouro da imagem de Nossa Senhora do Rosário, que rendeu 28 contos de réis, em 1928, uma pequena fortuna, naquele tempo.
A construção teve o comando de José Alexandrino e Miro Cardoso, na profissão de pedreiros, e Félix Batista da Costa e Manoel Vilar como carpinteiros, e muitos outros.
Texto: José Baptista Filho retirado do livro
“Adeus, São José da Lagoa”
Depoimentos
Depoimento: Senhor Dimas Anacleto da Silva ( em 2005, quando ele se encontrava com 83 anos)
Ele nos conta que iniciou-se na Guarda do Reinado aos 7 anos e que, aos 8, foi Príncipe. Por duas vezes foi Rei Festeiro.
“Para cada momento, uma música e ritmo diferentes. Depois da Coroação a música era mais acelerada e alegre, os tambores batiam mais forte”.
Relembrando o Reinado de seu tempo de jovem, diz que “tudo era mais bonito, mais cerimonioso, era uma grande festa”.
O levantamento do mastro acontecia no Largo da Matriz, sempre num Sábado, o último do mês de outubro. Nesse Sábado, ao meio-dia, os sinos da matriz repicavam e os Caixeiros pelas ruas rufavam os tambores anunciando a festa. De madrugada, a Banda saía para um lado e os Caixeiros pro outro.
Ele lembra que não vinham Guardas de fora, a festa era realizada apenas com as Guardas da cidade e que durava 12 dias.
“No Domingo e na segunda-feira era fartura para todos os lados, as portas das casas permaneciam abertas: mesa de café, de doces, almoço e jantar nas casas dos Reis e noutras casas, comida o dia inteiro, se dava fome era só entrar nas casas que todos eram servidos”.
Ele guarda lembranças também da igreja do Rosário:“duas torres, paredes grossas e um altar muito bonito”.
Recorda dos Marujos que eram formados pelo pessoal do Manjahy, diz que seu pai apreciava muito esse grupo. O pessoal do chocalho na canela, um grupo pequeno, saía atrás do cortejo do Reinado.
Na terça-feira, iam à zona rural visitar algumas fazendas, era mais comilança.
“Existia muitas Juízas, Rainhas de Palmas e Rainhas da Vara com seus respectivos Reis, Príncipes, Princesas e Mordomos”.
“Zé Carias tinha a turma dele no Curro, Sô Valente, no Manjahy. Quando Sô Telvino saiu do Manjahy, formou-se uma Guarda no Curro, depois ele foi para o bairro de Fátima, onde a Guarda passou a ensaiar, local desde então conhecido como terreiro de Sô Telvino”.
Depoimento: Julieta Prodígio Virgínia ( em 2005, quando ela se encontrava com 73 anos)
“No meu tempo de menina a festa era mais alegre, mais movimentada, dançavam e cantavam pra valer, fazia gosto de ver e ouvir. Tinha também a Batalha das Varas. As Embaixadas eram emocionantes, vibrantes (pela eloqüência dos discursos, dramatização e destreza no manejo das espadas, que dava realismo aos duelos: saía até faísca de fogo no bater das espadas e na hora em que passavam a espada no chão, atitude provocativa dos embaixadores)”.
Falou também do poder mágico dos capitães e de outros membros do grupo.
Depoimento: Ely deAraújo
“Pessoas que trabalhavam lá em casa me levavam em seus passeios, indo sempre à Igreja do Rosário. Eu era uma menina muito curiosa, passei a sentir um certo fascínio por este lugar. As vezes, geralmente aos domingos, eu fugia de casa, sozinha, mas já sabiam onde me encontrar: na Igreja do Rosário, O diferente me atraia, me encantava. Lá, negras bonitas, juntamente com os seus filhos, bem vestidas com roupas coloridas, estampadas e às vezes brancas, usavam turbantes exóticos. Usavam também vários colares, cordões, anéis, pulseiras e brincos, e no altar, uma prataria reluzente chamava a minha atenção. Destas imagens eu nunca me esqueci, ficaram gravadas para sempre em minha memória”. Depoimento dado em 1984, quando dona Ely tinha 73 anos. Ela nasceu em 19/04/1911 e faleceu em 12/10/2005.
Departamento Municipal de Cultura e Turismo
Prefeitura Municipal de Nova Era/MG
por Institucional