Fazenda da Vargem
Fazenda da Vargem, Patrimônio Arquitetônico e Cultural de Nova Era, em 08 de maio de 2005.
Publicado em 09/05/2017 15:20 - Atualizado em 16/06/2017 14:59
Fazenda da Vargem
Decreto1407/2005_ Livro de Tombo: inscrição n°03, Fls.,02. Data: 15/03/2005
A Fazenda da Vargem está localizada a 6 km da cidade, às margens da MG 120 deslumbra a todos pela sua beleza e monumentalidade arquitetônica. Foi erguida na primeira metade do século XIX e que serviu de importante entreposto comercial.
Nas proximidades, a apenas 2 km, encontram-se dois bairros periféricos: Morada dos Heróis e Córrego das Pedras, resultantes de um processo de urbanização dinamizado a partir da década de 70 do século XX, à margem da MG 120, rodovia projetada, desde os seus primórdios, antes de receber a pavimentação asfáltica na rota do tropeirismo, acesso estratégico que interagia com toda a região circunvizinha. Rota, que na década de 50/60 do século XX, coincidentemente, alguns de seus trechos, foram aproveitados para a implantação de um projeto que não foi concluído, um ramal ferroviário ( Leopoldina ), ligando Nova Era à Zona da Mata.
Desde seus primórdios a Fazenda teve papel de destaque na história do município, se mostrando até os dias atuais como uma referência não apenas sócio-econômica, mas também como importante referência simbólico-afetiva e cultural para os novaerenses. A propriedade manteve durante longos anos uma grande produção agropecuária, cafeeira e de açúcar, movida à mão-de- obra escrava.. Em meio aos 10 mil metros quadrados de área ergue-se a monumental casa-sede, com suas numerosas janelas e portas na fachada. Foi tombada como Patrimônio Arquitetônico e Cultural de Nova Era, em 08 de maio de 2005.
A construção possui sistema construtivo próprio do período colonial, onde a madeira é material fundamental, assim como a terra e a pedra. Encontrada de forma farta na época, a madeira compunha o embasamento, a estrutura, parte da vedação, os quadros dos vãos, o engradamento da cobertura, o piso do andar superior e da escada, além dos detalhes da composição, como guarda-corpos e cimalhas.
Denominação
Quanto à sua denominação “Vargem”, que permanece, se justifica pela característica do terreno em que a sede da fazenda se encontra edificada, uma baixada, entre a encosta e um curso d’água – Rio do Prata, afluente do Rio Piracicaba.
Idealizador
O idealizador da construção da casa sede da Fazenda da Vargem, Joaquim Martins da Costa, nasceu em 1800. Trata-se de um sobrado residencial de tipologia originalmente rural. Pelas fontes da história oral e bibliográfica e observada a trajetória cronológica de seu idealizador, é coerente situar que a sua edificação se deu entre 1835 a 1845. No seu processo construtivo se faz notar linguagens e técnicas do período colonial. Não se trata de uma exceção, mas de uma manifestação tardia, habitual de tendências construtivas em voga no século XVIII, no decorrer do século XIX.
Ciclo de Prosperidade
A Fazenda da Vargem surgiu do desmembramento da Fazenda Figueiras, que por sua vez se originou da Fazenda do Rio do Prata. Esta teria sido fundada por Antônio José de Miranda, desbravador da região que, apossando-se das terras ao longo do rio que ele denomino de Rio do Prata nos primeiros anos do século XVIII, construiu ali uma imponente sede. Possuía várias sesmarias de onde extraía ouro, como o fazia nas terras da Fazenda do Rio do Prata: em região denominada Pedra Furada, em Macacos e também várias datas em Gongo Sôco.
Com a exaustão dos veios auríferos do Rio do Prata, Antônio José de Miranda vendeu esta propriedade para João Correia da Silva, bisneto de Amador Bueno, o aclamado de São Paulo. Este foi também um dos primeiros desbravadores da região. De seu casamento com Maria Pedroso de Morais, surgiu uma vasta descendência que ocupou e povoou a região, dando origem a outras fazendas.
A Fazenda do Rio do Prata foi, ainda conforme Padre Pedro, “a primeira grande propriedade agrícola da Bacia do Rio Piracicaba”. Em seus domínios eram produzidos os insumos que abasteciam os grandes centros mineradores do ciclo do ouro. Sua sede, que já não existe esde a década de 30, possuía características que exemplificavam seu importante papel na economia egional: desenvolvia- se em três andares, com estilo dito “de influência beiroa”. Seu interior brigava louças diversas, móveis estilo D. João V, oratório de cedro de Macau, entre outros dereços. Ao lado da sede havia uma capela. Com acesso ao seu coro através de uma passarela elevada, a capela possuía tribunas laterais, que eram ocupadas nas celebrações pelos moradores da sede, enquanto a nave era reservada aos escravos.
Posteriormente – não se sabe a data - o imóvel foi passado para o capitão Manuel Martins da Costa e para sua esposa Margarida da Silva Bueno, filha do primeiro proprietário. Manuel, capitão da bandeira que em 1765 partiu para desbravar a região, se casou com Margarida em 1750. Juntos tiveram sete filhos.
O filho primogênito do casal – Custódio Martins da Costa – recebeu de seus pais a Fazenda Figueira, originada das terras da Fazenda do Rio do Prata. Custódio foi seu primeiro proprietário. Em data não definida se casou com Cecília S. B. Ventura.
Provenientes da Fazenda da Figueira, o primeiro proprietário das terras que conformavam a Fazenda da Vargem foi Joaquim Martins da Costa, filho mais velho de Custódio e Cecília. Nascido no ano de 1800, Joaquim casou-se em 1840 com Regina Antônia da Costa Lage, atuando mais tarde como Major-comandante em Minas Gerais dos rebeldes da revolução de 1842. Na fazenda da Vargem, Joaquim deu prosseguimento às várias atividades agropecuárias que serviam de suporte ao abastecimento da região.
A fazenda permaneceu durante um longo tempo sustentando as atividades agropecuárias, se destacando na produção de insumos e na introdução de novas culturas, como a do cacau. Por esta época a fazenda também manteve uma considerável produção de açúcar, que era beneficiado em um engenho movido à água que existia na fazenda.
Também serviu de importante entreposto comercial, dada a sua diversificada produção e ao caráter empreendedor de seus proprietários. A alguns metros da sede, integrada aos seus domínios, havia uma antiga estrada de terra que fazia a ligação entre caminhos de tropas, que por ali passavam trazendo e levando mercadorias diversas para as regiões vizinhas. Muitas vezes os cargueiros se encontravam naquele trecho, servindo a sede de ponto de referência aos tropeiros. Possivelmente parte de seu pavimento térreo, além de abrigar outras funções, também funcionava como pouso para estes trabalhadores.
Conforme Elvécio Eustáquio da Silva, antigo pesquisador da região, por ali passavam as tropas que iam para as áreas que hoje conformam municípios como Dom Silvério, Itabira, Ponte Nova, entre outros. Ainda de acordo com Elvécio a fazenda também seria possivelmente ponto de venda da mão-de- obra escrava.
Em razão da sua grande expressão na economia da região, a sede da fazenda se tornaria centro de confluência da política. Várias decisões acerca da vida político-administrativa do arraial de São José da Lagoa eram ali discutidas e acertadas.
Entre os líderes políticos provenientes desta destaca-se João Gualberto Martins da Costa, um dos filhos do primeiro proprietário da Fazenda da Vargem. Conhecido como Coronel João Gualberto, se dedicou a várias atividades econômicas, possuindo uma visão bastante empreendedora.
Comercializava gêneros diversos de víveres e criava gado “vacum” em larga escala, além de eqüinos e muares. Conta a tradição oral que nunca trabalhou com mão-de- obra escrava por se opor a essa forma de sistema.
Participou intensamente da vida política da região, sendo agraciado posteriormente com o título de “Barão de São José da Lagoa”, que não aceitou por já não concordar com o regime então vigente. Apesar de ter sido importante figura da economia e política regional, não se sabe ao certo se João Gualberto também possuía terras na Fazenda da Vargem.
Raimundo Martins da Costa, um dos irmãos de João Gualberto e filho mais velho de Joaquim Martins da Costa, foi “o primeiro que mostrou a imensa vantagem da cultura em grande escala do café para exportação. Muitos já o usavam, mas só para o consumo próprio, com pouca sobra” (Pedro Maciel Vidigal, Amador Bueno, o Aclamado na Família Lagoana, 1945). Raimundo se casou em 1860 com Elisa Augusta de Andrade. Ao todo o casal teve quatro filhos. Além da Fazenda da Vargem, Raimundo coordenava as atividades em outras fazendas. Conforme fontes orais, era proprietário de outras fazendas, como a Fazenda Corrientes, também originada das divisões de terras da Fazenda Figueira.
Mais tarde, em 1879, outro dos irmãos, de nome Antero Martins da Costa, assumiu a administração da Fazenda da Vargem. Conforme conta a tradição oral, este também possuía ampla visão para os negócios. Deu grande impulso à lavoura cafeeira, instalando não só seu plantio, como também sua comercialização nos terrenos da fazenda.
Implantou o cultivo da “palmeira do Chile”, da qual se extraíam as fibras para a fabricação de chapéus que tornaram-se conhecidos na região por sua boa qualidade. Em 1898 chegou a importar reprodutores bovinos do tipo Nelore e em 1912 adquiriu suínos da raça “Poland Chine” para melhorar a qualidade de sua criação. Durante este período Antero chegou a desenvolver nas terras o cultivo da seda.
Posteriormente Antônio Andrade Martins da Costa, sobrinho de Antero e filho mais novo de Raimundo Martins da Costa, tomou frente na administração das atividades ali desenvolvidas. Antônio se casou em 1901 com Ana Elisa de Andrade. Ao todo tiveram seis filhos.
Posteriormente Ana Elisa faleceu. Em 1917, Antônio Andrade novamente se casou. Com sua segunda esposa, Alice Maria Vidigal, teve onze filhos: Maria da Conceição (mais conhecida como Naná), Rita, Maria Auxiliadora, Feliciano, Idalina, Elísio, José, Maria de Lourdes, Joaquim, Jésus e Íris.
Antônio Andrade, mais conhecido entre os familiares como “Tio Neco”, residiu durante toda sua vida na sede da fazenda. Ali prosseguia com o trabalho de seus antepassados, porém concentrando-se em algumas atividades agropecuárias, como a plantação do café, principal produto da fazenda nesta época, entre outras como o cultivo do feijão e do milho, o beneficiamento da cana-de-açúcar e a criação de gado leiteiro. Outros produtos da fazenda eram cultivados em menor escala, destinados ao consumo interno. A fazenda tinha nesta época, conforme Sr. Feliciano Vidigal Martins da Costa, um dos filhos de Antônio Andrade, uma área de cerca de 150 alqueires.
Por esta época a área urbana do município de Nova Era começava a se expandir. A instalação da linha férrea, apesar do grande impulso que deu à economia cafeeira, possibilitando seu escoamento, trouxe nova vida à zona urbana, para onde o foco da economia se deslocava novamente.
A fazenda da Vargem se tornaria então a última grande propriedade de forte expressão na economia rural do município de São José da Lagoa. A grande movimentação gerada em torno da sede, o ir e vir constante de trabalhadores e mercadorias devido às várias atividades que a fazenda concentrava já não ocorria como antes.
Sr. Feliciano, se recorda com certo saudosismo da sua infância na fazenda: “Essa fazenda aqui vinha muita gente. Nossa, era um movimento! Naquele tempo não tinha carro; então eles vinham a cavalo. Nossa, era uma quantidade, uns quartos cheios de animais assim! Desarriava, guardava os arreios e ficava aquela turma aí”.
A produção, aos poucos, foi sendo reduzida e a esta altura já não atendia a toda aquela região que englobava as populações das grandes cidades mineradoras. Os produtos foram com o tempo, se restringindo às localidades do entorno e do próprio distrito sede.
Com o falecimento de Antônio Andrade o terreno, que outrora já havia passado por várias divisões, recebeu novo parcelamento entre os muitos herdeiros. Sua viúva, Alice Maria, continuou a residir na sede. Com a idade já avançada, resolveu doar em vida parte das terras que lhe pertenciam, passando a ter o usufruto do imóvel.
Juntamente com ela moravam um de seus filhos, Feliciano Vidigal Martins da Costa, sua esposa Ifigênia Franca e os cinco filhos do casal: Maria Alice, José Antônio, Paulo Sílvio, Maria do Rosário e Meire. A esta altura a produção se destinava apenas para a subsistência e a mercados pontuais, não havendo mais a grande variedade de insumos do período de atividade plena da fazenda.
Em meados da década de 60, com os filhos alcançando a idade escolar, Feliciano e sua esposa Ifigênia decidiram se mudar para a área urbana de Nova Era. O terreno da fazenda que compreendia a sede e suas dependências ficou, a partir daí, sob os cuidados de Jésus, um dos irmãos de Feliciano. Jésus morou por alguns anos com sua mãe em uma pequena construção nas proximidades da sede e que hoje não mais existe.
Com o falecimento da matriarca da família Jésus se mudou para a cidade. Assim, sem receber nenhuma manutenção e ficando inutilizada, a antiga construção caiu em abandono, o que contribuiu para um significativo avanço no seu processo de degradação. A sede da fazenda permaneceu sem uso por muitos anos.
Paulatinamente os bens móveis e integrados que ainda resistiam ao tempo no interior da construção e em seus arredores foram sendo desfeitos por alguns herdeiros ou consumidos pelas intempéries. Muitos documentos antigos que faziam parte do acervo do escritório de Antônio Andrade Martins da Costa, antigo proprietário, foram simplesmente abandonados ao sabor do tempo. Várias peças do mobiliário e que compunham a própria construção, como as folhas das janelas e das portas, de acordo com fontes orais, foram vendidas para terceiros.
A sucessão familiar dos Martins da Costa na posse das terras resistiu aos tempos, sendo os últimos proprietários da Fazenda da Vargem descendentes do segundo proprietário da Fazenda do Rio do Prata. Com os desmembramentos sucessivos, a propriedade original, constituída pela Fazenda do Rio do Prata, teve suas terras divididas e subdivididas em inúmeras frações até se chegar à configuração original da área, que abrange atualmente pequenas e médias propriedades rurais (chácaras e sítios), pertencentes à várias e diferentes famílias, além dos bairros Morada dos Heróis e Vila Santa Rosa, criados a partir de loteamentos de terrenos de herdeiros feitos entre as décadas de 70 e 80 na região periférica e Nova Era, correspondente às áreas de expansão do município.
No ano de 1975, com o Programa de Restauração de Monumentos Históricos da Secretaria de Planejamento do governo do estado, uma equipe de técnicos da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais se dirigiu à fazenda para realizar o levantamento da sede e das ruínas do engenho para a execução de futuras obras de restauro.
A situação encontrada foi de total abandono. Segundo Sr. Archimedes Corrêa, técnico do departamento de foto-documentação da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e que há época participou deste levantamento, os esteios se apresentavam escorados, os vãos das portas e janelas já não possuíam as folhas e o interior da construção apresentava muito entulho depositado no chão. O mato havia crescido ao seu redor e no interior da sede, tomando conta do local. A construção, muito deteriorada, estava praticamente sem cobertura, com todas as vedações em pau-a- pique extintas.
Na mesma época a notícia de que alguns herdeiros da Fazenda da Vargem pretendiam demolir sua sede para vender o material a uma firma de construção chegou à população nova-erense, que reagiu com repúdio à notícia. Formou-se então uma forte movimentação comunitária contra a demolição da secular edificação. Como resposta à pressão da população, o governo municipal, na gestão do então prefeito Expedito Martins da Costa, declarou o imóvel e sua área circundante – cerca de 10.000 metros quadrados – como bem de utilidade pública através da Lei nº 729, de julho de 1976.
A desapropriação do imóvel só veio ocorrer em junho de 1977, através do decreto nº 288, na gestão municipal de Aristarco de Araújo. Através dele o imóvel, juntamente com a área circundante ampliada para 30.000 metros quadrados se tornava de utilidade pública, destinando-se “à preservação do patrimônio artístico cultural paisagístico do Município”. Além disso, o decreto incluía o direito de servidão da água do córrego que se encontra próximo ao local a ser desapropriado.
Em 21 de setembro de 1977, o decreto municipal nº 291, declara imune ao corte a antiga árvore da espécie angico branco, de grande porte, situada nas proximidades da sede da Fazenda da Vargem. Ainda durante essa gestão municipal a sede da fazenda recebeu algumas intervenções emergenciais de restauro.
Em 07 outubro do mesmo ano, pela lei nº 771 é criado o Parque Municipal de Nova Era, na área já prevista no decreto nº de desapropriação da Fazenda da Vargem.
A partir de julho de 1981 é realizada na área do Parque Municipal da Fazenda da Vargem a II FEANE – Feira da Amizade de Nova Era. Em edições anuais a feira ocorria sempre no mês de julho e tinha como objetivo arrecadar fundos para obras de assistência àqueles menos favorecidos financeiramente. Sempre trazendo atrações musicais de renome nacional, como Elba Ramalho, Luiz Gonzaga, Jorge Ben e Skank, a feira reunia um grande número de pessoas, não só do município, mas também das cidades vizinhas.
Em fevereiro de 1983, na administração do prefeito Hélcio Galvão, é criado um decreto que amplia a área do Parque Municipal da Fazenda da Vargem através de desapropriação de parte das terras de Antônio de Assis Pereira, contígua ao terreno já desapropriado.
Em agosto deste mesmo ano é sancionado o projeto de lei HG-13, que desapropria uma área de terra de 9.900 metros quadrados, de propriedade de Dejair de Albuquerque Filho.
Em novembro de 1986 técnicos do IEPHA-MG – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, vão à Fazenda da Vargem realizar vistorias no local. A situação encontrada é desanimadora: não havia manutenção da sede, que continuava sem uso.
Em 2005 o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Nova Era efetivou o Tombamento da Fazenda como Patrimônio Cultural.
Em 2009 a administração municipal , Prefeita Laura Maria Carneiro de Araújo, iniciou a restauração da sede da Fazenda da Vargem, com verba do Fundo Estadual de Cultura e Recursos Próprio.
por Institucional