Acervo de Missais do Museu de Arte e História de Nova Era
O Acervo de Missais do Museu Histórico de Nova era é Composto por duas peças, ambas denominadas Missale Rommanum sendo uma delas fora impressa no ano de 1782 e a outra em 1818.
Publicado em 09/05/2017 16:06 - Atualizado em 30/12/2021 09:32
Acervo de Missais do Museu de Arte e História de Nova Era
Decreto 1313/2003_ Livro de Tombo: inscrição n°02, Fls., 01. Data: 27/03/2003
MISSALE ROMMANUM - ano 1782
MISSALE ROMMANUM - ano 1818
O Acervo de Missais do Museu Histórico de Nova Era é Composto por duas peças, ambas denominadas Missale Rommanum sendo uma delas fora impressa no ano de 1782 e a outra em 1818. Tal acervo encontra-se no museu e é tido como parte da exposição permanente existente no local. Os Missais ocupam um discreto local na exposição, junto à outras peças de cunho religioso, como os paramentos do padre Francisco e uma pia batismal executada em madeira.
O Acervo de missais tem sua história iniciada na década de 60, mais especificamente no ano de 1969 quando um movimento não-governamental de valorização da cultura e da memória do município começou a organizar-se em torno de várias idéias, inclusive da elaboração de um museu. Tal movimento, encabeçado pelo nova-erense Elvécio Eustáquio da Silva (pesquisador da história e das práticas culturais do município), teve como ponto culminante o Grupo de Artes Experimentais – o GAE – que atuou principalmente no ano de 1975, mas já no ano de 1970, gozando de muito prestígio, garantira uma sede própria, onde também funcionaria o Museu, captando recursos da iniciativa privada; a Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale, patrocinou a compra de um casarão do século XVIII em frente à Igreja Matriz.
Durante esses seis anos, um certo número de peças foram recolhidas para a composição do museu, mas que de início não foram disponibilizadas como acervo à visitação imediatamente e sequer ocuparam a sede do movimento. Tais peças foram armazenadas num primeiro momento na casa do próprio Elvécio, para depois ocuparem o espaço do coro da Igreja Matriz de São José, primeiramente de forma desorganizada e posteriormente como uma pequena exposição. Mais três anos se passaram e em 14 de Fevereiro de 1978 o museu foi efetivamente inaugurado, ainda utilizando o espaço da Igreja.
Após a inauguração do Museu, dois fatos importantes para sua história ocorreram: o primeiro foi a passagem da direção institucional do museu para as mãos da Prefeitura Municipal, que também tomou posse do casarão e o colocou em reformas. O segundo fato foi o significativo aumento do número de peças componentes do acervo. Esses eventos levaram a uma reformulação dos parâmetros de funcionamento do Movimento de Valorização, e a urgência na instalação do museu numa sede própria. Entretanto, ambas as atitudes demoraram quase dez anos para se efetivarem pois, somente em 1989 surge a Casa da Cultura de Nova Era, que liderada novamente por Elvécio da Silva conseguiu fazer com que a prefeitura instalasse o museu no antigo casarão no ano de 1991. Em 13 de Janeiro de 1993, o museu mudou novamente de local, mas agora para um outro casarão ao lado do primeiro, aonde se encontra atualmente. Elvécio e a Casa da Cultura ainda promovem atividades relacionadas à história, à cultura e à memória do município, entre elas a Festa do Padroeiro da cidade e a reunião de mais peças para o acervo do museu.
Como foi dito anteriormente, entre o fim do século XVIII e o início do XIX consolida-se a existência das grandes fazendas em Nova era, ainda São José da Lagoa, permitindo o enfrentamento da forte estagnação econômica generalizada em toda região mineradora, dados os problemas de exaustão dos leitos e excessivo rigor fiscal. Com isso, a fazenda, a cultura de gêneros alimentícios e a criação bovina e a suína constituíram-se então a base econômica desses novos tempos para os lagoanos. A maioria das grandes fazendas originaram-se da antiga fazenda Laranjeiras do Rio do Peixe, e uma delas foi a Fazenda dos Perdões, cujo primeiro proprietário foi o Padre Francisco José da Costa. Nascido na Fazenda da Figueira, constituiu uma belíssima Capela na Fazenda dos Perdões, até hoje conservada.
Senhor de “bastantes escravos”, o padre dedicou-se à agricultura em grande escala. De Luís Antônio Furtado de Mendonça, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais obteve, em 1792, a concessão de uma Sesmaria “na paragem chamada Laranjeiras do Rio do Peixe”. Tal Sesmaria confrontava “da parte do nascente com Dionísio dos Santos Porto, do poente com Guarda Mor Antônio João de Freitas, da parte do sul com o mesmo Guarda-Mor e com D. Margarida da Silva Bueno e João da Costa Benavides”1. Laranjeiras do Rio de Peixe é o nome antigo de Perdões que passou a ter esta denominação depois que o Padre Francisco construiu a capela, dedicada ao Senhor Bom Jesus dos Perdões. No frontispício do pequeno exemplo, o Padre, colocou bem encima da porta de entrada, a cruz patriarcal de S. Francisco, em homenagem ao Santo de seu nome. Ainda sobre o padre Francisco José da Costa e a Fazenda dos Perdões:
O Padre Francisco José da Costa era filho de Manoel Martin da Costa e Margarida da Silva Bueno. Manoel Martins da Costa Filho era seu irmão, nascido na fazenda do Rio do Peixe, casado com Maria do Carmo, filha do Dr. José Álvares Ferreira Cabral, Capitão da Companhia de Ordenança do Distrito de São José da Lagoa, do termo da Vila Nova da Rainha de Caeté. Sucedeu ao Padre Francisco na fazenda dos Perdões.
São filhos do casal:
Manoel Martins da Costa Neto
Padre José Álvares do Carmo
Guarda-Mor Custódio Martins da Costa
Francisco Álvares Martins da Costa
Caetano Martins da Costa
Jacinto Martins da Costa
Cândida Martins da Costa 2
Desta capela veio o Missal datado de 1782, pertencente ao padre Francisco. A doação de tal peça foi feita pela atual proprietária da fazenda, que no ano de 1999 cedeu não só a peça em questão, mas também uma série de objetos e paramentos eclesiásticos pertencentes ao padre Francisco. Tais peças foram encontradas dentro da capela, onde passaram a ficar após seu falecimento.
O segundo Missal, datado de 1818, possui suas raízes históricas atreladas à outra faceta dessas transformações sofridas pelo município de Nova Era na passagem do século XVIII para o XIX. Se por um lado a subsistência da região mudava seu foco principal de atividades da mineração para a agropecuária, por outro lado, o centro urbano formado no primeiro momento de consolidação populacional buscava adaptar as novas atividades aos antigos costumes. Um desses hábitos era obviamente a participação ativa na vida religiosa urbana, o que ganhava um sentido todo especial no local, pois, a Igreja Matriz de São José passara por recentes reformas, ainda no sentido de deixar registrado em sua composição a beleza e a opulência do período de maior atividade mineradora.
Segundo informações do Sr. Elvécio Eustáquio da Silva, o Missal datado de 1818 era, provavelmente utilizado pelo pároco local da Igreja Matriz de São José da Lagoa nesse período. Assim como o primeiro, esse exemplar também fora incorporado ao acervo do Museu no ano de 1999, como uma doação da própria paróquia.
Ambos os missais foram impressos a partir das deliberações eclesiásticas editadas na epístola papal Urbis et Orbis de 29 de Julho do ano de 1714. Portanto, os Missais conservam entre si algumas semelhanças quanto à impressão, à edição, ao formato e, claro, quanto ao conteúdo. Entretanto, mais importante que qualquer inter-relação, a grande coincidência entre os missais não se dá entre eles próprios, mas sim entre ambos e a Igreja Matriz. A gravura que acompanha o texto da missa do Domingo de Páscoa nos missais é a mesma existente no teto do altar-mor da Igreja Matriz de São José da Lagoa, tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
A cópia de iconografias era prática comum no século XVIII e certamente a gravura Dominica Ressurectionis atribuída à Silva F. nos missais tenha servido de base para o anônimo copista3 que trabalhou nas pinturas da Igreja. Também é provável que o missal do qual se serviu o tal artista tenha aquele datado de 1818 (por pertencer à paróquia), o que demonstra que Nova Era viveu ainda nas primeiras décadas do século XIX as práticas artísticas mais comuns do século anterior, talvez por pura fruição estética, por uma vivência “em longa duração” do século anterior, ou talvez ainda por tentar conservar práticas culturais referentes ao glorioso passado vinculado à mineração.
O acervo de missais pertencentes ao Museu Histórico de Nova Era, composto pelas duas peças citadas anteriormente são elementos importantíssimos no universo das representações da história religiosa do município. Os missais trazem várias informações que ilustram perspectivas acerca das relações dos fiéis com a Igreja e dos homens com a religião, não só do ponto de vista comportamental, mas também das relações de poder, do trato com a “cultura material” e com a própria fé.
A existência de tais peças e a preocupação da população com a preservação desses bens revela, de alguma maneira, que a religião exerce historicamente um papel relevante na construção do imaginário coletivo.
Além disso, as histórias particulares de cada missal nos dizem muito sobre um recorte específico na história do município de Nova Era, recorte esse de extrema importância para o estudo da história do município como um todo, da história da mineração em Minas Gerais e também para a história do Brasil Colônia. A partir da trajetória de cada um ao longo do tempo, podemos identificar personagens e situações referentes ao período de grandes transformações no município, que inclusive pode suscitar no futuro estudos mais aprofundados acerca da transição das prioridades econômicas nas cidades coloniais que sofreram com o declínio da mineração.
Por fim, é necessário ressaltar que ambas as peças possuem em si um valor histórico inestimável, pois se tratam de bens culturais com mais de 200 anos, fazendo com que, do ponto de vista do desenvolvimento de uma política de preservação do patrimônio cultural, a preservação de tais bens represente um marco para a memória e para o exercício da cidadania no município.
Fonte:
Dossiê de Tombamento dos Missais .
___________________________________________________________________________
1 Codex 256 do Arquivo Público Mineiro. In: VIDIGAL, Pe Pedro Maciel. Amador Bueno, o Aclamado na Família Lagoana. Rio de Janeiro: Ed Imprensa Oficial, 1945. Pp-405.
2 FILHO, José Baptista. Adeus São José da Lagoa. Rio de Janeiro: Ed. Mergulhar, 1992. Pp-324.
3 Digo anônimo copista, pois segundo o Sr. Helvécio, tal pintura não pertence ao conjunto de obras de Mestre Athaíde, como diz o senso comum.
por Institucional